A caneta ou o lápis que sinuosos deslizam por sobre o papel
branco, ou mesmo, o trepidar do teclado que recebe as pancadas dos dedos frenéticos
a acompanharem o ritmo da descarga das ideias. Fechados os olhos, as ideias fluem cobrindo aquele céu negro
como se fossem estrelas a cobrir o céu. As palavras atingem a mente, numa
descarga, numa cachoeira. Vem numa correndo atadas umas as outras. Lapsos de
memória em imagens fragmentadas que se sobrepõem, e que velozes se tornam
outros fragmentos a se juntar a outras imagens. As emoções tomam conta do corpo.
Verdadeira explosão. Uma volta para o passado e toda a infância perdida, aos
momentos que não voltam que foram levados pelo tempo. Aparecem mágoas e feridas
que carregamos. Uma raiva azeda e flamejante estoura por dentro. Sentimentos e
mais sentimentos que se transformam em um punhado de palavras caóticas no
papel.
Estas palavras no papel podem ser o mais belo poema. Uma
bela frase daquelas que com pouco dizem tudo. Ou por vezes, talvez na maioria, este
arranjo de palavras não possui sentido como um todo. São um emaranhado de sentidos
que se somam e que se anulam. Esta é a hora da grande edição, na visão de
muitos o verdadeiro trabalho de quem se põe a escrever. Tirar os excessos.
Lapidar o texto. Retirar os sentidos e reescreve-los de forma congruente, para
que todos se somem e fique clara a mensagem a se passar. O escrito então, se
torna aquela torrente fluida que atinge, em cheio, os corações daqueles que o
lê. Tudo após as diversas reescritas, a briga a qual todos os escritores hão de
passar. A briga com a palavra.
Briga na quais se vão horas e horas. Dias e dias. Brigando
com palavra. É bem, como dizia Carlos Drummond de Andrade, a luta mais vã. Briga
para que colocar uma vírgula que será depois de muito ponderar retirada ao
final do dia. Talhando feito um artesão, ou lapidando feito um ourives, as
palavras até que se torne a mais bela joia o texto. Um trabalho que para muitos
não acaba, mesmo após a nona edição. Sendo a possibilidade de edição infinita, resta somente após a chegada da
satisfação, e após o melhor que julga capaz, abandonar o arranjo de palavras ao mundo.
É árduo. E por vezes trabalhoso. Mas o fazemos para não
morrer em vida. É ser adicto a algo como se fizesse parte de seu corpo, de
intrínseca junção à existência. Um olhar sempre fascinado para o mundo, sempre
num tento de captar aquelas coisas inomináveis dos momentos em palavras. Aquele
olhar de uma criança com seus devaneios e sonhos.
Cada livro é um mundo paralelo. Seja ele somente um livro de
conceitos, ou mais obviamente, uma ficção. Levam-te a imaginar e dar uma viagem
ao além-mundo com somente o poder da mente. Um livro é uma existência
temporária, que dura enquanto dura a leitura. Com aqueles fascinantes personagens,
e suas fascinantes personalidades, seus discorreres sobre o mundo em que vivem.
Com aqueles eventos que tanto nos tocam e nos faz chorar, ter medo, raiva,
alegria.
Ficamos imersos naquele mundo. Descosturando o tricô feito
pelo escritor. Leitores não têm somente uma vida. Pois vivem e morrem ao lado
daqueles seres tão críveis feitos somente de palavras. Os personagens e suas
vidas, tão ditadas pelo ser que as cria. Que as delineia. Esse escritor que de
sua vontade fez aquele mundo, de sua própria projeção e imagem.
É impossível que uma obra não seja autobiografia. A vontade
os desejos do criador sempre estão voga na obra. Aparece o ego em pequenos detalhes, nas
entrelinhas. Nas escolhas e temas abordados. No tom e musicalidade, ritmo e
voz. Cada detalhe remete ao criador. Triste momento em que se percebe que seu
personagem é você em outro mundo. Medo das descobertas dos profundos segredos
da alma escondidos e amarrados pelo ego. E é por isso que escrever também é autoconhecimento.
Conhecer a si mesmo e ao mundo. A escrita e suas explorações
pelo mais oculto do mundo, e suas verdadeiras entrelinhas. Os mais ocultos
confins do universo. A mais profunda tentativa de explicar o inexplicável. Duma
comunicação com palavras de alma para alma. E com a poesia a literatura
consegue chegar muito próximo daquela energia musical, que só mesmo as melodias
e harmonias conseguem transmitir. Alma para alma. Flamejantes metáforas e hipérboles.
Os belos usos dos paradoxos. E estas ferramentas com mesmo objetivo. Dizer o
indizível.
Escreva. Faça histórias. É uma profunda característica do
espírito humano. Aquele simples contar histórias. Lembre-se: Escrita é
reescrita. Não existe uma grande escrita e sim uma grande reescrita, isso dizia
Faulkner, um dos agraciados com o Prêmio Nobel da Literatura. Pelo menos a
todos os reles mortais é desta forma. Não existe inspiração que lhe sobre um
texto ou um livro inteiro seus ouvidos. Isso somente com trabalho se consegue.
Jogue as palavras. Brinque com elas.
No fim tudo se resume a elas...
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